segunda-feira, 26 de maio de 2008

TEATRO DO CORDEL - A ENCOMEND. DE ALMAS


PERSONAGENS:

MARIDO

MULHER

AMANTE

Na varanda da casa a mulher e o amante conversam:

AMANTE:
Boa tarde meu amor!
Como você tá passando?
Eu tô louco de saudade
Só lhe vejo vez em quando
Sem você não sei viver
Veja o que pode fazer
Não sabe o que tô penando.

MULHER:
Meu bem quero que mediga
Quando a gente vai se ver
Poder ficar à vontade
Um encontro pra valer
Quero paz no coração
Olha que faz um tempão
Não aguento mais sofrer.

AMANTE:
Dá um jeito em seu marido
Pra longe ele ficar
Com ele dentro de casa
Eu nunca posso chegar
Mostre que é boa mulher
Que sabe bem o que quer
Mas tem que me avisar.

MULHER:
Ele adora pescaria
Mas não sei se ele vai
Tem medo de assombração
À noite ele nunca sai.

AMANTE:
Aproveita então o ensejo
Fala que tá com desejo
Acha que ele vai ser pai.

MULHER:
Eu vou tentar hoje mesmo
Vou fazer ele sair
Ele vive reclamando
Que eu não sirvo pra parir.
AMANTE:
Isso mesmo meu amor
Sem precisar causar dor
Dá um jeito dele sumir.

AMANTE:
Mas como fico sabendo
Se ele foi pra pescaria?
Ocê precisa me avisar
Tô morrendo de agonia.
MULHER:
Vou pensar numa saída
Eu quero mudar de vida
Mas na sua companhia.

MULHER:
Eu posso pôr algum pano
Na janela da cozinha
Logo assim que ele sair
E eu saber que tô sozinha.
AMANTE:
Vendo o pano logo venho
Vai saber o amor que tenho
Quero amar você todinha.

AMANTE:
Obrigado meu amor!
Prova assim gostar de mim.
MULHER:
Vai embora tô nervosa
Fica combinado assim.
AMANTE:
Até à noite meu amor
Se eu do pano ver a cor
A agonia vai ter fim.

(Sai de cena) O marido entra, está chegando da roça. A mulher finge preocupação, faz cara de pensativa e o marido percebe.

MARIDO:
Vim da roça tão cansado
Acho que nem vou jantar
Trabalhei feito um cavalo
E só penso em me deitar (olha para a mulher)
Você tá tão diferente
Não quer me encarar de frente
Tem algo pra me contar?

MULHER: (com o olhar pidoncho)
Queria pedir uma coisa
Só não sei se vai poder
Tô com desejo de peixe (passa a mão na barriga)
Se não achar pra comer
Não pense que é besteira
Com escama e nadadeira
Nosso filho vai nascer.

MARIDO: (exultante e realizado)
Consegui lhe emprenhar
Ou cê tá de brincadeira?
Vou pescar lhe trago um peixe
Nem que passe a noite inteira
Não tô com medo de nada

Hoje até alma penada
Eu coloco na algibeira.

MULHER:
Quero ver se tem coragem
De enfrentar assombração
MARIDO:
Falando assim me dá azar (mostra medo)
Chega treme o coração
Só de pensar fico mudo
Mas por você faço tudo
Com medo não tô mais não. (começa a arrumar a tralha de pescar, se vira para sair)

MULHER:
Vai com Deus não tenha pressa
Vou ficar a lhe esperar
Você me deixa tão feliz
Que pras almas vou rezar.
MARIDO:
Reza com muito carinho
Faz promessa direitinho
Pra nada me assombrar. (ela pega o pano, está contente, se arruma falando)

MULHER:
Hoje tudo vai dar certo
Meu coração tá dizendo
Vou ter uma noite de amor
Como há muito eu tô querendo
Que Deus entenda o meu lado
E me perdoe esse pecado
Nada de mal tô fazendo. (cantarola com cara de inocente)

(O marido entra de supetão, ela se assusta e fica desapontada)
MULHER:
Agora o que eu vou fazer?
Já tava tudo ajeitado
MARIDO:
Quer dizer que seu desejo
Tá assim tão desatinado
Se é pra sua alegria
Amanhã pesco de dia
Bem tranquilo e sossegado.

MARIDO:
Hoje é noite de lua cheia
E por cima Sexta-feira
Vi enorme lobisomem
Por isso vim na carreira
Se o bicho me alcançasse
E comigo se pegasse
Seria morte certeira.

MULHER:
Vá pro quarto e durma logo (está irritada)
Não falou que tá cansado!
MARIDO:
Você é uma boa esposa
Eu vou dormir sossegado
Com toda a minha canseira
Vou dormir a noite inteira
Logo logo tô apagado. (quando se encaminha para o quarto ouve batidas e se volta para mulher)

MARIDO:
Me parece que lá fora
Na porta deram batida
Que será que pode ser
Já nesta hora dormida?
MULHER:
Tenho até medo em dizer
Mas acho que deve ser
Alguma alma sofrida.

MARIDO: (recostado no batente da porta do quarto)
Você sabe tenho medo
É bom começar rezar.
MULHER:
Eu vou até à janela
A essa alma encomendar
Vou rezar pra essa penada
Arrumar um bom lugar.

MULHER: (indo até à janelas e falando para fora)
Alma da escuridão
Não venha nos molestar
Meu marido é um medroso
Tá em casa não foi pescar
Vá pro céu alma penada
Mas não fique magoada
E lembre sempre em voltar.

MULHER:
Vá embora por favor
Não me deixe na agonia
Vou rezar um padre-nosso
O credo e a ave-maria
Comigo não se aborreça
Vá embora e não esqueça
De voltar em outro dia.

MARIDO: (podo só a cabeça fora da porta do quarto)
Será que tô variando
Quando ouvi você rezar
Disse pra alma ir embora
Não deixando de voltar?
MULHER:
Nada disso meu benzinho
Vou repetir direitinho
O que acabei de falar.

MULHER:
Disse pra alma ir embora
Era o que você queria
Prometi um padre-nosso
O credo e a ave-maria
Que quando você tivesse
Ela nunca mais viesse
Nem de noite nem de dia.

(algo faz um barulho estranho lá fora)

MARIDO:
Tô escutando alguma coisa
Que tá vindo lá de fora
Sua reza não valeu
O que vou fazer agora? (está tremendo de medo)
MULHER: (falando alto)
Não adianta rezar
Você tem que enfrentar
Vai ver chegou sua hora (de fora vem uma voz horrível e trêmula)

VOZ:
Por favor me escute bem
Venha uma vela acender
Vem rezar perto de mim
Pra eu desaparecer.
MULHER: (dando ordem ao marido)
Vá lá fora acenda a vela
Bem pertinho da janela
Vê se pára de tremer. (brava)

MARIDO: (apavorado)
Você tá ficando louca
Não vou lá nem amarrado
Vou pra dentro do quarto
Eu vou ficar lá trancado (entra para o quarto e fecha a porta)
VOZ:
Eu peço tem piedade
A vela por caridade
Pra o perdão do meu pecado.

(mulher sai com a vela - música - entram os dois)

MULHER: (com sarcasmo)
Minha pobre alma penada
Aqui não pode ficar
O medroso tá dormindo
Mas ele pode acordar
E se pega nós dois juntos
Nós vamos virar defuntos
Sem ninguém para rezar.

AMANTE:
Então vamos lá pra fora
Pra ficar em segurança.
MULHER:
Lá fora é que ele não vai
Posso dar minha fiança.
OS DOIS:
Aqui dentro tá calor
Vamos viver nosso amor
Com carinho e esperança.

(saem - tempo com música) - O marido sai do quarto, ouve e olha pelo buraco da fechadura.

MARIDO:
Êta mulher corajosa
Tá lá fora ajoelhada
Rezando fazendo prece
Como se não fosse nada
Precisa muita coragem
Diante dessa visagem
Da pobre alma penada.

(faz menção em voltar para o quarto, a mulher entra toda descabelada e com jeito muito alegre)

MARIDO: (virando-se)
Pelo jeito despachou
A pobre desencarnada
Mas confesse teve medo
Está toda arrepiada.
MULHER: (arrumando o cabelo)
Eu sinto dar a notícia
Pra mim foi uma delícia
Enfrentar essa parada.

MARIDO:
E se ela então voltar
E eu sozinho aqui tiver?
MULHER:
Pode crer ela não vem
É a mim que ela quer.
MARIDO:
Eu lhe peço por favor
Vamos dormir meu amor (olha feliz para o público)
Isso sim que é mulher.

F I M










domingo, 18 de maio de 2008

A GARÇA (adaptado de La Fontaine)

A estória que vou contar
Me contou um velho senhor
Que no campo foi criado
Um grande conhecedor
Das coisas da natureza
Que ele sempre deu valor.

Me contou um caso sério
De uma garça vaidosa
O maio defeito dela
Era ser muito orgulhosa
Pra escolha do que queria
Se mostrava presunçosa.

A garça antes do almoço
O rio começou beirar
Era tempo de inverno
Mesmo assim foi passear
Sem o que comer em casa
Ela inventoiu de pescar.

Andando por dentro d'água
Bem no raso percebeu
Uma carpa bem gordinha
Que muito lhe apeteceu
Mas estava de dieta
Seu corpinho agradeceu.

__Não gosto tanto de carpa
Não estou com fome agora
Vou esperar que cresça mais
E deixou a carpa ir embora
Sacudindo as brancas plumas
Saiu dali sem demora.

Levantou o lindo pescoço
Nada lhe preocupava
Com o sol foi se aquecendo
Muito contente ela estava
Quando a fome lhe batesse
Peixe bom sempre encontrava.

Não demorou muito tempo
E a fome forte bateu
Esqueceu da vaidade
Ao lembrar que não comeu
Esqueceu todo orgulho
Para o rio ela correu.

Chegou no mesmo lugar
A carpa havia sumido
Precisava de alimento
Seu petisco foi perdido
Apenas um feio bagre
Nadava descontraído.

__Não vou comer esse bagre
Eu sou uma garça real
Mereço coisda melhor
Peixe nobre sem igual
Comer um peixe comum
Certamente fará mal.

Saiu meio desanimada
Mas com a cabeça erguida
Uma ave tão imponente
Não se dava por vencida
Era bela e orgulhosa
Merecia boa vida.

Fome não conhece orgulho
Soberba vira humildade
A garça voltou depressa
Pois tinha necessidade
Entrou de novo no rio
Enfrentou a realidade.

Meteu o bico dentro d'água
Toda afoita sem olhar
Quando reparou direito
O que tinha pra pegar
Apenas lambarizinhos
Parou para analisar:

__É até falta de respeito
Pra quem é bela e garbosa
Tenho porte de rainha
Das aves a mais formosa
Fico sem me alimentar
Não sou assim tão gulosa.

A garça voou para perto
Com cara desexabida
Mesmo ela passando fome
Não estava assim perdida
Ficou sem a nobre carpa
Por dieta descabida.

Não tinha mais lambaris
Peixe sabe ser matreiro
Nadavam fazendo festa
Vendo a garça no poleiro
Que constristada voltou
Para comer bem ligeiro.

Lambaris que não são bobos
Trataram de se esconder
A garça ficou nervosa
Por não ter o que comer
Pegou uma viscosa lesma
E devorou com prazer.

Ficou tristre e encabulada
Mas aprendeu a lição
Rejeitou por vaidade
E perdeu boa ração
Tinha que dar por feliz
Com a a parca refeição.

Dessa vez a dona garça
Que era mal acostumada
Aprendeu que a vaidade
É doença mal curada
Quem na vida muito escolhe
Acaba sempre sem nada.

F I M

FOGUEIRA DE SÃO JOÃO

Eu não consigo esquecer
De uma festa com fogueira
Em noite de São João
Ninguém sentia canseira
Da sanfona bem tocada
E do baile a noite inteira.

Vinha toda a vizinhança
E trazia a molecada
Menino homem num canto
E menina separada
Só brincadeira de roda
Pra juntar a meninada.

O bom mesmo era esperar
O dia nunca passava
A noite estava distante
Meu Deus como demorava
Eu ficava agoniado
Até que o povo chegava.

Rezar terço lá em casa
Era mais que devoção
Promessa da minha mãe
Feita em hora de aflição
Antes do início da festa
Se cumpria a obrigação.

A gente era bem criança
E pra reza nem ligava
Não entendia direito
O que o rezador falava
Era o que vinha depois
O que mais interessava.

Lembro muito dos benditos
Que cantavam no final
Um canto de voz sentida
Difícil ver outro igual
Cantavam com força e fé
Pra espantar todo mal.

O altar era desmontado
Acabando a hora sagrada
O sanfoneiro sentava
E a festa era começada
Adultos iam pra dança
Pro terreiro a molecada.

Brincadeiras corre-corre
Busca-pé traque e bombinha
Brincavam de lenço atrás
As meninas cirandinha
Cantos que o tempo levou
Com a alegria que eu tinha.

As moças namoradeiras
Exibiam com esperança
Os passos cadenciados
Com moços na contradança
Aqueles que não dançavam
Fartavam na comilança.

Assim a noite passava
E ninguém tava cansado
Quando o baile terminava
O sol já tinha raiado
Com todo mundo feliz
Tranqüilo e realizado.

Hoje longe na cidade
Só a lembrança na memória
Recordando minha infância
Toda conquista e vitória
Com que fiz a minha vida
Construindo minha história.

F I M

É CHEGADO O NATAL


O anúncio se cumprira
Da forma que está escrito
Vai chegar a boa nova
Para um mundo mais bonito
Grande alívio para a dor
De quem estiver aflito.

A luz vai vencer as trevas
As corrompidas visões
Toda a Natureza canta
E no céu grandes clarões
Anunciam a chegada
Do maior entre os varões.

Das alturas o silêncio
Está saudando o esplendor
Do menino anunciado
E esperado com amor
Por um casal muito pobre
Que vive do seu labor.

Vai cumprir a profecia
Numa gruta de Belém
Um menino nascerá
Como só a Deus convém
Virá pra trazer a paz
E salvar quem faz o bem.

Estão soando as trombetas
Cujo som se faz ao léu
Os pastores reverentes
Com olhos fitos no céu
Se dobram ajoelhados
Cada um tira o chapéu.

O momento é sagrado
Nova Estrela já brilhou
Lá das bandas do Oriente
Até rei mago chegou
Para adorar o menino
Que a escritura anunciou.

As aves em revoada
Bem felizes a cantar
Louvam ao Deus renascido
Que veio pra nos salvar
Nesse momento tão doce
Temos que rejubilar.

É chegada a nova era
Como um farol redentor
O mundo pode cantar
Nasceu nosso salvador
Brilhou lá na manjedoura
Para nos trazer amor.

O anunciado divino
Nessa noite se cumpriu
A natureza em festa
Toda em flores se cobriu
Os cantos angelicais
Pelo mundo inteiro ouviu.

Meigo como a flor do campo
Entre a luz resplandesceu
Todo escuro iluminou
Entre os homens floresceu
A esperança renovada
O filho de Deus nasceu.

Que todos cantem Hosanas!
Esqueçam o sofrimento
Entre os homens é nascido
O imaculado rebento
Vamos louvar a Jesus
Toda luz desse momento.

Que reine a paz na terra!
A quem tem boa vontade
No sagrado aniversário
Dessa maior Santidade
Jesus que é nosso pai
Rei pra toda eternidade,

F I M

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O SERTANEJO ECOLOGISTA

A estória que vou contar
Ela é cheia de verdade
Acontece com pessoas
Que nascidas na cidade
Inventa mudar de vida
Talvez sem necessidade.

Pedro era moço formoso
Dos trinta tinha passado
Trabalhava em escritório
Um rapaz muito estudado
Que vivia a reclamar
Que estava muito estressado.

Pedro um dia decidiu
a sua vida mudou
E vendeu tudo o que tinha
O trabalho dispensou
Pôs o dinheiro no bolso
E sozinho viajou.

Tava desorientado
Sem querer camaradagem
Chegou na rodoviária
Comprou logo uma passagem
Pra um lugar desconhecido
Ele fez sua viagem.

Dois dias e duas noites
Ele ficou viajando
Chegou no ponto final
E foi logo se informando
Se um lugar ali teria
Pra ele ficar morando.

Queria que fosse longe
Do barulho da cidade
Era moço estudado
Mas não tinha vaidade
Ele só queria ter
Na vida tranqüilidade.

Dali viajou a esmo
Sem ter muita direção
Quando se deu por achado
Estava em pleno sertão
Chegando em uma tapera
Sorriu com satisfação.

Colocou toda bagagem
Numa sombra ali no chão
Ele gritou:__ô de casa!
E escutou um vozeirão:
__Quero saber se é de paz
Disse logo um ancião.

__Eu sou de paz sim senhor
Tô procurando um lugar
Cansei da cidade grande
Quero no mato morar
Tenho dinheiro no bolso
Muito bem posso pagar.

O velho desconfiado
Perguntou-lhe sem malícia:
__Por acaso é um fugitivo
Se escondendo da polícia?
O rapaz sorrindo disse:
__Esse lugar é uma delícia.

O velho ficou calado
Esperando explicação
O moço compreendeu
Qual era a situação
Logo se identificou
Mostrou documentação.

O velho disse baixinho:
__Pode me chamar Raimundo
Não quero ver documento
Também corri pelo mundo
Sou velho e analfabeto
de vivência sou profundo.

O rapaz sentou no chão
Pra mostrar desprendimento
Disse ao velho:__Minha vida
Vou contar nesse momento
Sem nada pra esconder
Posso prestar juramento.

O velhinho respondeu:
__Não adianta nem jurar
Conte logo a sua vida
Talvez venha acreditar
Conheço até pelo cheiro
Quando alguém quer me enganar.

Disse o moço:__Eu nasci
E me criei na cidade
Não sou de família rica
Pode sentir à vontade
Vim pro mato pra encontrar
a tal de felicidade.

Cansei da cidade grande
Toda aquela agitação
Ganhava muito dinheiro
Faltava satisfação
Um mundo de falsidade
Só mentira e traição.

Para ver um passarinho
Só dentro de uma gaiola
Sei que tem muito recurso
Ninguém fica sem escola
Gente com muito dinheiro
Outros a pedir esmola.

Estudei fui bom aluno
Me formei na faculdade
Mas só via coisa errada
Na vida lá da cidade
Sem falar na correria
E muita barbaridade.

Fui perdendo a confiança
Em tudo que me cercava
Fui traído por amigos
E a mulher que mais amava
Era um jogo de interesse
O dinheiro é que mandava.

Tem muita poluição
Medo de na rua andar
Assalto pra todo lado
Muito carro a buzinar
Por isso que resolvi
A minha vida mudar.

Seu Raimundo me desculpa
Acho que falei demais
Me deixa ficar aqui
Que pra lá não volto mais
Nem que morra de saudade
Dos irmãos também dos pais.

Seu Raimundo pensativo
Explicou a situação
Pedro podia ficar
Mas com uma condição
Não lhe daria conforto
Pra dormir só tinha o chão.

Só havia uma rede
Que ele usava pra dormir
A comida precisava
Fazer roça e produzir
__Eu daqui não saio mais
Disse contente a sorrir.

Seu Raimundo lhe falou:
__Aqui não tem diversão
Quando quero divertir
Na viola ponho a mão
Toco e canto até cansar
Me alivia o coração.

Pedro respondeu sorrindo:
__Obrigado bom senhor
Na roça vou aprender
Bem depressa e com amor
Eu tenho muita coragem
Serei bom trabalhador.

Pedro aprendeu trabalhar
Levando uma vida dura
A tudo ele admirava
Elogiava a água pura
Aquilo era um paraíso
A vida tava segura.

Não ligava para os calos
Sua mão ficou grosseira
Tomava banho de rio
Viver no luxo é besteira
Ouvindo o som da viola
Ele dormia a noite inteira.

Contemplava a mata virgem
Não existia nada igual
A água pura da cacimba
O alimento natural
Vivia na vida simples
Sem pensar em nenhum mal.

Alguns meses se passaram
Pedro estava estropiado
Ali não tinha conforto
Noutro mundo foi criado
Falaria com Raimundo
Talvez desse resultado.

Foi quando de tardezinha
Pediu pro velho escutar:
__Seu Raimundo aqui é bom
Mas podemos melhorar
Derrubando esta mata
A roça pode aumentar.

Podemos plantar capim
E criar bastante gado
Grande lavoura de soja
Pra cuidar pago empregado
Posso aplicar meu dinheiro
Vai ser bom o resultado.

Seu Raimundo a tudo ouviu
Sem fazer interferência
O moço continuava
Falando até de ciência
O velho não se agüentava
Tinha dor na consciência.

Pedro deu prosseguimento
e deitou mais falação:
__Podemos comprar tijolos
Construir um casarão
Luz elétrica instalar
E ter até televisão.

Eu gosto da sua viola
Mas só com isso contamos
Vamos pensar no progresso
atrasados nós estamos
Vamos planejar direito
Pra ver quando começamos.

Raimundo não suportou
E nervoso foi dizendo:
__Pode parar de falar
Entendi o que tá querendo
Sou velho e analfabeto
Mas é assim que tô vivendo.

Pode arrumar sua trouxa
Aqui não fica mais não
Você fala em construir
Fazendo destruição.
Não vai cortar nem um galho
Não dou autorização.

Vá pro diabo o conforto
De casa e televisão
Não me chame de atrasado
Tenha mais educação
No que a natureza fez
Não coloque sua mão.

O rapaz todo assustado
Não encarou o velhinho
Seria melhor fazer
De volta todo caminho
Pensou poder remendar
Falando baixo e mansinho:

__Seu Raimundo mil perdões
Eu só quero lhe ajudar
Chamar a sua atenção
Pro progresso acompanhar
Viver a modernidade
Dinheiro poder ganhar.

O velho disse:__Vá embora
Está aqui como turista
Respondeu o moço__É claro!
Você é um ecologista
Pode ficar no seu mato
Vou sumir da sua vista.

O velho de cabeça erguida
Falou:__Nunca tive escola
Sou feliz nessa tapera
Não preciso sua esmola
Eu sou um caboclo matuto
Vivo com a minha viola.

O rapaz disse:__Até logo
O velho disse:__Adeus
Junte todos os seus trapos
Deixe só os que são meus
E nunca pense em voltar
Me deixe na paz de Deus.

Pedro de cabeça baixa
Pegou a mala e foi saindo
Voltou no mesmo caminho
Que um dia tinha vindo
O velho fechou a porta
Deitou na rede sorrindo.

Depois pegou na viola
E com vontade tocou
Cantou "Tristeza do Jeca"
Até que o sono chegou
Em paz com a consciência
Para rede ele voltou.

Ainda bem que o rapaz
Mostrou logo sua faceta
O velho até até hoje faz
O que lhe dá na veneta
Sem saber colaborando
Pra saúde do Planeta.

F I M












CAMPONÊS CIDADÃO

Camponês de pulso forte
Muito honrado cidadão
Sem terra e nenhum trabalho
Procurou uma solução
Pertencer ao movimento
Dos sem terra no sertão.

No momento estranhado
Muitas coisas entendeu
Na primeira reunião
Que foi feita apareceu
Da luta ficou berm claro
E quase tudo aprendeu.

Decidiu encorajar
Fazer uma ocupação
Logo em seguida o despejo
acabou com a ilusão
O fazendeiro e a polícia
Fizeram a danação.

Atiraram ao relento
O que estava no barraco
Ficou todo desgostoso
Pôs tudo dentro dum saco
Naquele mar tenebroso
Desgosto de ser tão fraco.

Juntando todos os filhos
a mulher ele deu o braço
O que tinha carregava
Quase tudo era bagaço
Não adiantava chorar
E nem fazer um rechaço.

Foi aprendendo depressa
Da gente sua bondade
Do sentido da união
aprendeu sua verdade
Entre iguais há de ter sempre
Amor e sinceridade.

Junto com os companheiros
em uma outra ocupação
Decidiram que fazer
Através de votação
Assumiu a liderança
Por ser um bom cidadão.

Como líder conduzia
O seu povo para a luta
Nos momentos cruciais
Não se usava força bruta
Usava negociação
Com decisão resoluta.

Com a terra preparada
No chão plantou a semente
Aquela hora não foi boa
a mulher caiu doente
E morreu a pobre coitada
De uma doença inclemente.

Ficou só com as crianças
Sofreu muita privação
Mas cuidou da sua roça
Com amor e devoção
Na hora que foi colher
Veio grande decepção.

Era de madrugadinha
Antes do galo cantar
Ouviu-se uma barulheira
Foi lá fora pra espiar
Viu gado dentro da roça
Estava solto a pastar.

O seu coração esfriou
Sangue na veia gelado
João não acreditava
No que tinha se passado
O capanga cortou a cerca
Todo gado foi soltado.

A surpresa foi maior
Quando avistou os soldados
Eram muitos não contou
Eles estavam espalhados
Atearam fogo em tudo
Barracos foram queimados.

Foi uma tristeza imensa
Ao ver os filhos chorando
Com o olhar desiludido
Viu um amigo carregando
Em seu colo uma velhinha
Já caduca soluçando.

Não pôde ficar calado
Quis impedir a desgraça
Foi preso como um ladrão
Riam fazendo pirraça
E agiam como insetos
destruindo feito traça.

Amargou numa prisão
Mas não era um criminoso
Não demorou muito tempo
O seu destino penoso
Deram-lhe a liberdade
Não era tão perigoso.

Devagar voltou pra luta
Para afrontar o grileiro
Começou tudo de novo
Com seu jeito tão matreiro
O pessoal admirava
Aquele bom companheiro.

Dessa vez houve justiça
Feita com sabedoria
Ele ganhou sua terra
Bem do jeito que queria
Plantou tudo direitinho
Como muito bem sabia.

Acabou toda tristeza
De um homem trabalhador
Desafiou poderosos
demonstrando seu vigor
Fez valer sua coragem
Um homem de grande valor.

No barraco seus filhinhos
Hoje tem o que comer
Tirando tudo da terra
Trabalhando pra valer
Nunca lhe faltará nada
Enquanto feliz viver.

F I M



A VOLTA FRUSTRADA

Foi depois de muitos anos
De uma vida louca e intensa
Que chamou minha atenção
Um certo artigo na imprensa
Falava em destruição
Feita na floresta densa.

Eu levava a minha vida
Com intensa correria
Vida na cidade grande
Outro jeito não teria
Às vezes ficava alheio
Do que no mundo corria.

A notícia do jornal
Falava do interior
As roças de canaviais
Às terras dando valor
De matas e de vazantes
Destrruída com trator.

Esta vida na cidade
Dá na gente esquecimento
Lembrei de onde fui criado
E da roça o fastamento
Esse tempo veio à tona
E tomou meu pensamento.

Já passados tantos anos
Eu resolvi viajar
Saudade bateu no peito
E não deu pra segurar
Precisava então rever
Tinha muito a recordar.

Adiantei minhas férias
Emblsei certo dinheiro
Viajei todo ansioso
Tava no mês de janeiro
Tempo claro e de calor
Tudo passava ligeiro.

Na viagem eu lembrava
Como era antigamente
O verde daqueles campos
Quando na terra a semente
Se plantava com amor
O que hoje ninguém sente.

Do riacho que saudade
Me assaltava com vigor
Nadar pelado na noite
Quando fazia calor
Minha infância foi bonita
É só hoje que dou valor.

Lembrei o pé de guabiroba
Do seu fruto adocicado
Trepado na goiabeira
Bem alegre sem enfado
Nem lembrava que o trabalho
Da roça tinha cansado.

Eu quero ver novamente
Tudo que um dia deixei
Feito criança a correr
Dos detalhes me lembrei
Vou rever a minha infância
E a escola em que eu estudei.

A primeira namorada
O amigo de pescaria
As comidas da mamãe
Como ela ninguém fazia
O beiju de tapioda
No café do meio dia.

Os banhos lá no poção
Toda molecada nua
O meu pai contado estória
No terreiro à luz da lua
Os bailes da adolescência
Leite com farinha crua.

A condução foi chegandp
Já no fim da madrugada
Não ouvi o galo cantar
E também ninguém na estrada
Onde havia uma paineira
Agora não tinha nada.

Minha escola ali ficava
Nos fundos um bambual
Ao lado tinha um campinho
Agora é um canavial
Achei tudo muito estranho
Não podia ser normal.

Eu fui pro lado do sítipo
Que meu pai tinha vendido
Lembrando de nossas coisas
Tudo ali tinha sumido
O nosso belo recanto
Alguém tinha destruído.

A casa virou tapera
Os arvoredos morreram
Guabiroba virou lenha
Meus olhos umedeceram
As rosas da minha mãe
Também desapareceram.

Fui correndo até o riacho
e desolado fiquei
Tava todo assoreado
De tristeza até chorei
Do riacho de outrora
O que fizeram não sei.

Olhei com muita atenção
Onde as vistas alcançavam
Todo o sítio que era nosso
E os demais que avizinhavam
Na mesma situação
Todos eles se encontravam.

Parecia um mar imenso
Toda plantação igual
Cheguei pensar que sonhava
Mas era tudo real
Não dava pra ver o fim
Daquele canavial.

Logo mais fiquei sabendo
Porque da destruição
O maldito capital
Ali deitou sua mão
Com o apoio do governo
Fazia a reprodução.

Os camponeses saíram
Para a cidade rumaram
Terra boa e produtiva
Para trás eles deixaram
Todos donos de fazendas
Lotes de cana plantaram.

Trabalhador foi trocado
Pela tecnologia
Trabalho de camponês
Ali ninguém mais queria
Era só monocultura
O resto destruiria.

Os pequenos ditiantes
Das terras abriram mão
Venderam aos fazendeiros
Pra lavoura de extensão
Não dava pra competir
Com venda de exportação.

Com toda a transformação
Eu fiquei muito chocado
Resolvi voltar depressa
Férias tinha terminado
Vim cuidar da minha vida
Muito triste e desolado.

O meu passeio foi triste
É melhor eu não lembrar
Foi cruel mas aprendi
Lembrançãs não conservar
Do passado a experiência
É o que eu devo preservar.

Às vezes fico pensando
Raciocino com franqueza
Destruição e ganância
Andam junto com a riqueza
O poder do capital
É que destrói a natureza.

Eu nada posso fazer
Além da palavra usar
Tenho o verso como arma
Na poesia popular
Entrego nas mãos de Deus
Ele é quem pode ajudar.

F I M




quinta-feira, 15 de maio de 2008

O GAVIÃO E A CORUJA

O GAVIÃO E A CORUJA

Contavam que antigamente
Em tempos dos ancestrais
Eram estórias que ouviram
Bisavós dos nossos pais
Para nós o pai contava
Que todo bicho falava
O que não acontece mais.

Nesse tempo uma coruja
Os seus ovinhos chocou
Cheia de muita alegria
Os filhotinhos olhou
Estava muito cansada
Mas por ser mãe dedicada
Ela dos filhos cuidou.

Um belo dia então saiu
Para buscar alimento
Os bichinhos não podiam]
Prover o próprio sustento
Ali por perto um gavião
De maldoso coração
Espreitava muito atento.

Quando avistou o gavião
Ela ficou preocupada
Aquela ave de rapina
Poderia armar cilada
E para o mal evitar
Resolveu então falar
Pediu toda consternada:

__Gavião meu bom amigo
Atenção por um momento
Quero que você prometa
Sem precisar juramento
Peço pelo amor de Deus
Protejer os filhos meus
Enquanto busco alimento.

O gavião traiçoeiro
Começou arquitetar
Algum plano bem sinistro
Pra coruja enganar
Perguntou fazendo festa:
__Como posso na floresta
Seus filhos localizar?

A resposta da coruja
Foi dita com muito amor
__Para encontrar meus filhos
Precisa olhar com ardor
Todos os três são amarelos
Da floresta são mais belos
Cuide deles por favor.

Gavião bicho matreiro
Falou sem muito pensar
__Se são assim tão bonitos
Vai ser fácil encontrar
Eu sou bicho perigoso
Mas filhote assim formoso
Não costumo devorar.

Cada um foi pro seu lado
Tranqüilos e sem anseios
Em busca do que comer
De pressa estavam cheios
O gavião atento olhava
Encontrou o que procurava
Os três filhotinhos feios.

Pensou: __Vou aproveitar
A palavra empenhada
Vou devorar esses bichos
São feios não valem nada
E os três filhotes coitados
Foram assim devorados
Dentro da mata fechada.

Devagar muito tranqüilo
Afastou-se o gavião
Pela floresta imensa
Sem nenhuma compaixão
A coruja procurava
Por onde ela passava
Achar alimentação.

Voltou com muita comida
Pro ninho toda ansiosa
Ela voava com cuidado
Pela mata perigosa
Quando chegou ao destino
Ficou muda perdeu o tino
Chorou muito lastimosa.

Ela saiu revoltada
O gavião procurando
Não demorou encontrar
O malandro descansando
Antes que o bicho ela visse
Soluçando então lhe disse
Devagar e gaguejando:

__Ah seu gavião malvado
Que palavra nunca tem
Carniceiro e assassino
Nunca sabe fazer o bem
Não pratica uma bondade
Só sabe fazer maldade
Pra isso é que no mundo vem.

O gavião respondeu:
__Não pode assim me culpar
Eram de filhotes lindos
Que me pediu pra cuidar
Pena que seu peito arde
Mas confesso é muito tarde
Precisei me alimentar.

Ouviu-se uma triste estória
Mas não fiquem tão aflitos
Desde que o mundo existe
Assim nos contam os mitos
Verdade que cala fundo
Para todas mães do mundo
Seus filhos são mais bonitos.

F I M

A ONÇA E O VEADO

A ONÇA E O VEADO - (provavelmente uma lenda indígena)

Foi num tempo bem distante
E aconteceu na floresta
Todos os animais contentes
Viviam fazendo festa
Dizem que eles falavam
Ninguém prova nem contesta.

Bicho nunca teve casa
Em nenhuma freguesia
O veado então pensou
Casa ele construiria
Um abrigo pra dormir
Quando terminasse o dia.

Pela campina saiu
Procurando um bom lugar
Encontrou plano terreno
Cuidou logo de limpar
Uma casa bem supimpa
Faria para morar.

Quando a onça de noitinha
Na gruta fria acordou
Com toda aquela umidade
A pobre se resfriou
Resolveu __ faço uma casa
Decidida agora estou.

Encontrou o terreno limpo
E alegre ficou a pular
Cortou bastante madeira
E se pôs a transportar
__Bom lugar e tão limpinho
Só Tupã pra me ajudar.

Só depois do sol se pôr
Que dona onça trabalhava
E o veado só de dia
Ligeiro ele não parava
Pensava que era Tupã
Que tanto lhe ajudava.

Logo cedinho o veado
Voltou lá no seu local
Viu a madeira amontoada
Disse: __ Não é nada mal
Com Tupã me dando ajuda
Tenho um parceiro leal.

Foi sem demora e o veado
Todos esteios fincou
Quando foi no fim do dia
Dali ele se retirou
Já tinha escurecido
Foi quando a onça chegou.

Amarrou todas as varas
Bem firme muito apertado
Terminando foi-se embora
Antes do sol ter raiado
O veado de manhã
Ficou contente aniumado.

Foi na beira do riacho
Muito barro ele amassou
Aos poucos foi carregando
Todas paredes tapou
Cansado no fim do dia
Para o campo ele voltou.

A onça chegou devagar
Só depois que escureceu
E vendo as paredes prontas
Bem feliz agradeceu
Poderoso deus Tupã
a quem muitas graças deu.

Usou vara como ripa
E lá no alto ele amarrou
Com cipó bem direitinho
Muito seguro ficou
Ela estava radiante
Qaundo pra gruta voltou.

Mais uma vez o veado
Mal o dia amanheceu
Todo apressado chegou
e do que viu estremeceu
Foi uma ajuda tão grande
Que seu deus Tupã lhe deu.

Apanhou palha e capim
E fez na casa a coberta
De noite ele dormiria
Em uma morada certa
Como estava no verão
A janela ficou aberta.

Tranqüilo ele se deitou
A Tupã agradecido
Julgava merecedor
Do que tinha recebido
Estando muito cansado
Logo já havia dormido.

Acordou com um barulho
A onça estava chegando
Trazia com ela a trouxa
Ela estava se mudando
O veado com o susto
Foi da cama levantando.

A onça nem acreditou
No que os seus olhos viam
Depressa para o terreiro
Eles com medo saiam
Então souberam que a casa
Eram eles que faziam.

Nenhum dos dois abriu mão
Os dois queriam morar
A onça cheia de malícia
Na força quis comparar
O veado que saisse
Ela precisava entrar.

O veado quis acordo
Pra morada dividir
Ele chegava de noite
Bem depois dela sair
E quando raiasse o dia
Ela podia dormir.

A onça teve que aceitar
O acordo do companheiro
No outro dia de manhã
Pensou num golpe matreiro
Chegou trazendo nas costas
Um grande cervo campeiro.

O veado só de susto
Sentiu o corpo lher tremer
Pelos dentes da malvada
Não pretendia morrer
Ele precisava um plano
Agiu antes do escurecer.

Dessa vez o deus Tupã
Ao mais fraco ele ajudou
Quando o veado saiu
Uma grande onça ele avistou
Ela parecia morta
Cuidadoso aproximou.

Bem depressa tirou o couro
Levou com ele guardado
Pouco antes de escurecer
Em casa chegou cansado
Deixou o couro bem à vista
Na parede pendurado.

A onça nem desconfiava
Que ele fosse um caçador
Saiu pisando de leve
Toda cheia de pavor
Pelo medo conheceu
do companheiro o valor.

Fingindo serem amigos
Todos dois desconfiavam
Ouvindo qualquer barulho
Com medo eles assustavam
Viviam apavarados
De casa nunca ausentavam.

Numa tarde bem chuvosa
Estavam a cochilar
Quando o som de uma pancada
Na porta fez ressoar
Os dois correram assustados
Sem saber pra onde olhar.

Com a ventania forte
Grande galho se soltou
Do alto de um arvoredo
E sobre a casa atirou
Até hoje desse casal
Nunca mais ninguém falou.

Eles nunca foram amigos
Eu posso fazer aposta
É impossível se entender
Se um do outro nunca gosta
Eles correm até hoje
Por uma direção oposta.

F I M



LITERATURA DE CORDEL

E AGORA JOSÉ

José nasceu no Nordeste
Viajou de pau-de-arara
Os pais eram muito pobres
Mas de uma coragem rara
José cresceu na cidade
São Paulo que nunca pára.

Trabalhou de ajudante
Como serviços gerais
Vivendo em periferia
Fome não passava mais
Conhecendo muita gente
E amparado pelos pais.

Quando adulto e independente
Inda era um analfabeto
Não dependia dos pais
Queria deles o afeto
Ouvia todos conselhos
Pra seguir caminho reto.

José passou a matutar
E tomou uma decisão
Não dava mais pra viver
Perdido na escuridão
Resolveu se preparar
Pra enfrentar o mundo cão.

Ele estudava de noite
E de dia trabalhava
Logo nas primeiras letras
Sua mente já brilhava
Vivia morto de sono
O cansaço lhe pegava.

José via companheiros
Do seu jeito até sorrir
Chamavam ele pra festas
Precisava divertir
Não ficava encabulado
De nunca poder sair.

Os anos foram passando
E ele ficando letrado
Pôde mudar de emprego
A vida mudou um bocado
Não demorou muito tempo
Ele já tava formado.

Com o diploma na mão
Outro caminho ele seguiu
Queria ser professor
Bem disposto conseguiu
Era mal remunerado
Mas o progresso sentiu.

Não pensava em riqueza
Só a família sustentar
Mesmo assim tava difícil
E teve que desdobrar
Ele sempre dava um jeito
Pra não parar de estudar.

Formado em letras que era
Lia tudo que encontrava
Acumulando cultura
Que nenhum lugar tomava
Descobria novidade
E mais ainda aprofundava.

Até a pedra do caminho
Lutando ele removeu
De féria lá nas Gerais
Um poeta conheceu
Era um escritor famoso
Com ele muito aprendeu.

Voltando de suas férias
Resolveu mudar de meta
E pensou agora José
Alguma coisa lhe afeta?
Além de ser professor
Inventou de ser poeta.

Do Nordeste conheceu
Um poeta de cordel
Que à cultura popular
Era mais do que fiel
Com ele fez parceria
E caiu a sopa no mel.

Hoje dá conta das aulas
Chamam ele de artrista
Humildemente ele diz
Sem muito engrossar a vista
Sou artista popular
Um poetaq cordelista.

F I M