segunda-feira, 26 de maio de 2008

TEATRO DO CORDEL - A ENCOMEND. DE ALMAS


PERSONAGENS:

MARIDO

MULHER

AMANTE

Na varanda da casa a mulher e o amante conversam:

AMANTE:
Boa tarde meu amor!
Como você tá passando?
Eu tô louco de saudade
Só lhe vejo vez em quando
Sem você não sei viver
Veja o que pode fazer
Não sabe o que tô penando.

MULHER:
Meu bem quero que mediga
Quando a gente vai se ver
Poder ficar à vontade
Um encontro pra valer
Quero paz no coração
Olha que faz um tempão
Não aguento mais sofrer.

AMANTE:
Dá um jeito em seu marido
Pra longe ele ficar
Com ele dentro de casa
Eu nunca posso chegar
Mostre que é boa mulher
Que sabe bem o que quer
Mas tem que me avisar.

MULHER:
Ele adora pescaria
Mas não sei se ele vai
Tem medo de assombração
À noite ele nunca sai.

AMANTE:
Aproveita então o ensejo
Fala que tá com desejo
Acha que ele vai ser pai.

MULHER:
Eu vou tentar hoje mesmo
Vou fazer ele sair
Ele vive reclamando
Que eu não sirvo pra parir.
AMANTE:
Isso mesmo meu amor
Sem precisar causar dor
Dá um jeito dele sumir.

AMANTE:
Mas como fico sabendo
Se ele foi pra pescaria?
Ocê precisa me avisar
Tô morrendo de agonia.
MULHER:
Vou pensar numa saída
Eu quero mudar de vida
Mas na sua companhia.

MULHER:
Eu posso pôr algum pano
Na janela da cozinha
Logo assim que ele sair
E eu saber que tô sozinha.
AMANTE:
Vendo o pano logo venho
Vai saber o amor que tenho
Quero amar você todinha.

AMANTE:
Obrigado meu amor!
Prova assim gostar de mim.
MULHER:
Vai embora tô nervosa
Fica combinado assim.
AMANTE:
Até à noite meu amor
Se eu do pano ver a cor
A agonia vai ter fim.

(Sai de cena) O marido entra, está chegando da roça. A mulher finge preocupação, faz cara de pensativa e o marido percebe.

MARIDO:
Vim da roça tão cansado
Acho que nem vou jantar
Trabalhei feito um cavalo
E só penso em me deitar (olha para a mulher)
Você tá tão diferente
Não quer me encarar de frente
Tem algo pra me contar?

MULHER: (com o olhar pidoncho)
Queria pedir uma coisa
Só não sei se vai poder
Tô com desejo de peixe (passa a mão na barriga)
Se não achar pra comer
Não pense que é besteira
Com escama e nadadeira
Nosso filho vai nascer.

MARIDO: (exultante e realizado)
Consegui lhe emprenhar
Ou cê tá de brincadeira?
Vou pescar lhe trago um peixe
Nem que passe a noite inteira
Não tô com medo de nada

Hoje até alma penada
Eu coloco na algibeira.

MULHER:
Quero ver se tem coragem
De enfrentar assombração
MARIDO:
Falando assim me dá azar (mostra medo)
Chega treme o coração
Só de pensar fico mudo
Mas por você faço tudo
Com medo não tô mais não. (começa a arrumar a tralha de pescar, se vira para sair)

MULHER:
Vai com Deus não tenha pressa
Vou ficar a lhe esperar
Você me deixa tão feliz
Que pras almas vou rezar.
MARIDO:
Reza com muito carinho
Faz promessa direitinho
Pra nada me assombrar. (ela pega o pano, está contente, se arruma falando)

MULHER:
Hoje tudo vai dar certo
Meu coração tá dizendo
Vou ter uma noite de amor
Como há muito eu tô querendo
Que Deus entenda o meu lado
E me perdoe esse pecado
Nada de mal tô fazendo. (cantarola com cara de inocente)

(O marido entra de supetão, ela se assusta e fica desapontada)
MULHER:
Agora o que eu vou fazer?
Já tava tudo ajeitado
MARIDO:
Quer dizer que seu desejo
Tá assim tão desatinado
Se é pra sua alegria
Amanhã pesco de dia
Bem tranquilo e sossegado.

MARIDO:
Hoje é noite de lua cheia
E por cima Sexta-feira
Vi enorme lobisomem
Por isso vim na carreira
Se o bicho me alcançasse
E comigo se pegasse
Seria morte certeira.

MULHER:
Vá pro quarto e durma logo (está irritada)
Não falou que tá cansado!
MARIDO:
Você é uma boa esposa
Eu vou dormir sossegado
Com toda a minha canseira
Vou dormir a noite inteira
Logo logo tô apagado. (quando se encaminha para o quarto ouve batidas e se volta para mulher)

MARIDO:
Me parece que lá fora
Na porta deram batida
Que será que pode ser
Já nesta hora dormida?
MULHER:
Tenho até medo em dizer
Mas acho que deve ser
Alguma alma sofrida.

MARIDO: (recostado no batente da porta do quarto)
Você sabe tenho medo
É bom começar rezar.
MULHER:
Eu vou até à janela
A essa alma encomendar
Vou rezar pra essa penada
Arrumar um bom lugar.

MULHER: (indo até à janelas e falando para fora)
Alma da escuridão
Não venha nos molestar
Meu marido é um medroso
Tá em casa não foi pescar
Vá pro céu alma penada
Mas não fique magoada
E lembre sempre em voltar.

MULHER:
Vá embora por favor
Não me deixe na agonia
Vou rezar um padre-nosso
O credo e a ave-maria
Comigo não se aborreça
Vá embora e não esqueça
De voltar em outro dia.

MARIDO: (podo só a cabeça fora da porta do quarto)
Será que tô variando
Quando ouvi você rezar
Disse pra alma ir embora
Não deixando de voltar?
MULHER:
Nada disso meu benzinho
Vou repetir direitinho
O que acabei de falar.

MULHER:
Disse pra alma ir embora
Era o que você queria
Prometi um padre-nosso
O credo e a ave-maria
Que quando você tivesse
Ela nunca mais viesse
Nem de noite nem de dia.

(algo faz um barulho estranho lá fora)

MARIDO:
Tô escutando alguma coisa
Que tá vindo lá de fora
Sua reza não valeu
O que vou fazer agora? (está tremendo de medo)
MULHER: (falando alto)
Não adianta rezar
Você tem que enfrentar
Vai ver chegou sua hora (de fora vem uma voz horrível e trêmula)

VOZ:
Por favor me escute bem
Venha uma vela acender
Vem rezar perto de mim
Pra eu desaparecer.
MULHER: (dando ordem ao marido)
Vá lá fora acenda a vela
Bem pertinho da janela
Vê se pára de tremer. (brava)

MARIDO: (apavorado)
Você tá ficando louca
Não vou lá nem amarrado
Vou pra dentro do quarto
Eu vou ficar lá trancado (entra para o quarto e fecha a porta)
VOZ:
Eu peço tem piedade
A vela por caridade
Pra o perdão do meu pecado.

(mulher sai com a vela - música - entram os dois)

MULHER: (com sarcasmo)
Minha pobre alma penada
Aqui não pode ficar
O medroso tá dormindo
Mas ele pode acordar
E se pega nós dois juntos
Nós vamos virar defuntos
Sem ninguém para rezar.

AMANTE:
Então vamos lá pra fora
Pra ficar em segurança.
MULHER:
Lá fora é que ele não vai
Posso dar minha fiança.
OS DOIS:
Aqui dentro tá calor
Vamos viver nosso amor
Com carinho e esperança.

(saem - tempo com música) - O marido sai do quarto, ouve e olha pelo buraco da fechadura.

MARIDO:
Êta mulher corajosa
Tá lá fora ajoelhada
Rezando fazendo prece
Como se não fosse nada
Precisa muita coragem
Diante dessa visagem
Da pobre alma penada.

(faz menção em voltar para o quarto, a mulher entra toda descabelada e com jeito muito alegre)

MARIDO: (virando-se)
Pelo jeito despachou
A pobre desencarnada
Mas confesse teve medo
Está toda arrepiada.
MULHER: (arrumando o cabelo)
Eu sinto dar a notícia
Pra mim foi uma delícia
Enfrentar essa parada.

MARIDO:
E se ela então voltar
E eu sozinho aqui tiver?
MULHER:
Pode crer ela não vem
É a mim que ela quer.
MARIDO:
Eu lhe peço por favor
Vamos dormir meu amor (olha feliz para o público)
Isso sim que é mulher.

F I M










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